quarta-feira, 2 de julho de 2014

Sobre bolsos internos

          Se existe uma coisa que eu queria ter quando era pequeno era um terno. Não sei explicar por que, mas os ternos de meu pai me passavam um senso de responsabilidade que eu almejava. Com um terno, homens pegavam transporte público ou carro para ir aonde eu não fazia ideia, até porque esta cidade tinha o tamanho do Universo na minha cabeça de cinco, seis anos de idade, para fazer suas tarefas diárias e depois voltar ao conforto do lar.
          O que também me fascinava no terno eram os bolsos internos do paletó, em especial os de meu pai. Lá, ele colocava tudo: um lenço, uma caneta, um pedaço de papel, outros pormenores e... moedas de troco. Ah!, as moedas de troco! Era um compromisso meu ir diariamente ao quarto de meus pais, em surdina, às cinco da tarde, para vasculhar os Bolsos Internos do paletó do dia. Minha fortuna eram dez, quinze centavos. Com sorte, encontrava moedas de cinquenta, daí eu era o ricaço da vez (dava pra encher um saquinho de balas na esquina)!
          Tudo isso pode parecer um monte de bobagens a você, adulto trabalhador, mas apenas tente desfazer a fantasia de uma criança... Além de inútil, seria perverso.
            Pois bem, este sentimento foi acentuado após a leitura de um livro que eu gostava muito, chamado “O Terno Tanto Faz Como Tanto Fez”, da poetisa norte-americana Sylvia Plath. Ele conta a história de Max Nix, um garoto que morava com os pais e seis irmãos em uma cidade chamada Winkelburgo. Embora Max tivesse uma vida de dar inveja, ele ainda tinha um desejo: “mais que tudo no mundo Max Nix queria ter um terno”, o qual pudesse usar em toda e qualquer ocasião.
            Como eu era o único filho da família (tinha, na época, apenas uma irmã mais velha), logo eu herdaria os ternos de meu pai. Minhas esperanças se avolumaram junto à vontade de crescer mais rápido, ao menos o suficiente para “vestir” meu sonho.
            Certo dia, minha mãe, que costura por hobby e às vezes faz um serviço aqui e outro ali, me chamou em seu ateliê para provar uma blusa de moletom. Não era a primeira vez que ela fazia aquilo – minha mãe sempre fez e ajustou roupas para todos da família. Esta peça em especial era azul marinho por fora, tinha forro listrado em branco e azul, e um zíper dourado. Até aí, nada de impressionante. Mas quando eu vesti a blusa, percebi algo: na parte de dentro, havia um bolso. Sim, meu caro leitor, era um bolso interno como o dos paletós de meu pai.
            Daquele dia em diante, aquele casaco se tornou o meu preferido, minha ostentação infantil. E como eu só podia usá-lo nos dias frios, logo eles também se tornaram especiais. Na ocasião, acordava mais cedo para ir à escola e guardava parte dos meus pertences no meu Bolso Interno. Saía porta afora e dizia a mim mesmo, mentalmente: “Vamos trabalhar, Gustavo”, e me imaginava percorrendo um longo caminho de ônibus ou trem, embora minha casa distasse apenas uma quadra do prezinho onde estudei. Na sala de aula, muito a fazer: lápis e cadernos para manter organizados, pilha de desenhos para colorir, o brinquedo para cuidar, o comparecimento obrigatório ao parquinho, a areia para tirar de dentro do tênis... Ufa!
          De vez em quando eu relembro essas cenas quase que claramente. Não tem como evitar, afinal, o prezinho ainda continua lá, a uma quadra de casa. A diferença é que hoje eu de fato pego transporte para chegar ao trabalho, e a cidade de São Paulo já não é tão Universo assim. Eu (infelizmente) já não visto mais a grife Mãe, sob medida, nem surrupio mais as moedas do meu pai (passei a bola para meu irmão mais novo). E mesmo agora, crescido, não uso terno (se bem que as vezes que precisei usar tiraram todo o meu encanto pela peça). De qualquer forma, hoje eu tenho alguns casacos que não são de moletom, também não são azuis nem possuem zíper dourado, mas têm bolso interno. E lá, eu coloco a minha nostalgia junto a tudo o mais que necessito.         

Nenhum comentário:

Postar um comentário