segunda-feira, 23 de setembro de 2013

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Meus pensamentos têm sentido,
completos em seu próprio sentido,
um próprio de mim mesmo
que, explicado, não faz sentido.

Preciso recuperá-los...
Preciso recuperar-me...
Eu tenho bom siso...
E pensamento lógico...

(Minto.)

sábado, 21 de setembro de 2013

Buraco Negro

       Carlos se recusava a acreditar. As mudanças só são percebidas em longas passagens de tempo, quando vistas abruptamente. E Carlos havia mudado. Todos perceberam, mas ele não. Todos mentiam, isso sim. Por dentro, ele envolvia-se num enlace de esdrúxulos, e essas imagens significavam uma passível normalidade gélida. Estão mentindo, os desgraçados!, pensava ele. Dava um riso em resposta. Um riso melancólico e insano.
          No dia em que se apresentou estupefato em frente ao espelho, Carlos deu um sopapo em sua própria imagem. Nervoso, perguntou-na no que é que você está fazendo as pessoas acreditarem?... Depois sentou levando a mão ao rosto e os olhos fitos no chão, sentindo-se doído pelo tapa e pela pergunta. Os objetos dirigiam-no um estranho olhar. Também fugiam dele.
          Na semana seguinte, a mãe veio visitá-lo sustentando dentro d' alma ares de médica, como se só dela se pudesse obter cura. Ela chamou a atenção para o controle fora do lugar, o barbeador que estava cego, e também para os ovos, que foram comprados do tipo amarelo.
          Lembrou-se aí de, certa vez, ter dormido fora de casa, bêbado e absorto no veludo e na brisa da madrugada que pesavam como pluma sobre o seu corpo. Relacionava essa sensação de gozo à imagem de bolinhas plácidas sobre uma ferocidade verde. E quando criança, ao visualizar este sentir que o revirava do avesso, levando-o ao chão, sua mãe o mandava levantar logo, que parasse de besteira.
          Naquela fase da sua vida, assim? Suas mãos então penderam do corpo numa regularidade, achando beleza nisso porque confirmava seu engano: quem culpa-se mentindo, pode levantar as mãos aos céus e gritar inocente!; mas a gravidade venceu e conseguiu levar-lhe ao quarto, colocar o espelho em frente da cama, fechar a porta e as janelas e em seguida adormecer, se vendo no escuro.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O Muro

(Caminhaste tranquila até o fim.)

Teu corpo agora é parte
de um muro extenso, grosso e mortificado.
És agora tijolo cobreado
que desmancha-se num ponto de fusão,
e a sua alma soa.
A ausência marca teus olhos secos,
teus ossos calcificados,
teus dentes pardos,
teus seios murchos,
teu corpo perfurado.

(O que evapora atravessa o muro.)

Agora um nome lhe caracteriza
e o amor cinge-lhe os ombros.
A terra já não é mais teu firmamento
e o Sol arde com fulgor.
Do outro lado não tremes em sofrimento.
Do outro lado há descanso para teu corpo sofredor.
Do outro lado és escultura de brilhantes.
Do outro lado és alvura eternamente.
Do outro lado executas incansavelmente
a anunciação de uma nova partitura divina.

Verão-Inverno

Outrora encontrava paz nas mãos que me acariciavam,
cujos dedos afundavam-se nos meus cabelos
e cantavam aos meus pensamentos até acalmá-los.
Costume esse que levou-me como uma maresia,
sujeitou-me à tentação dessa calmaria,
cativou-me na leitura das palavras de seus gestos
que povoavam o ar com poesias.

Nessa época, meus sonhos eram como sonhos de sonhos
em que dançávamos como crianças perdidas,
sem medo de errar os passos ou o compasso da música.
Perdíamos a hora e mal percebíamos que amanhecia!
Mas corremos tanto com o tempo que logo cansamos.
E o tempo também cansou.
E ele desistiu.

E parou.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Brinquedos

Com brinquedo se brincava,
hoje em dia não se brinca mais.
Brinquedo que é brinquedo
agora brinca sozinho,
e a criança se diverte só assistindo,
nada mais.


segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Falando sem ter ouvidos que me ouçam

Se a confissão poderia me aproximar de ti,
então me distanciarei cada dia mais.
As palavras que procuro, não encontro.
A única coisa que sei é que o amo,
e pensei que o sentimento falasse por si.

Se nem me expressar consigo,
ficaremos assim, como meros conhecidos.
Saberás apenas meu nome,
e eu fingirei que não reparo em sua voz,
que não sou obsesso pelo teu sorriso,
que não penso sempre em você,
que não sinto absolutamente nada,
que não adoro beijar-lhe o rosto
e que, do seu lado, não me sinto nervoso.

Não mais cantarei,
pois as melhores canções sempre acabam.
Não mais colherei rosas,
pois a beleza da flor logo murcha.
E não mais escreverei poemas,
pois, pelo que percebo agora,
o amor não cabe na métrica dos meus versos.