sábado, 31 de agosto de 2013

Tim-Tim!

Juntemo-nos aos
bêbados amantes
que caminham errantes
pelas ruas, em protesto.

Brindemos esta noite
a ausência permanente do siso
e a extração exaustiva do riso
escancarado na face.

Permita-se a si mesma errar
a boca destas taças,
para que contemples a graça
do vinho batizando nosso lar.

Seja esta mancha no chão um marco
da nossa felicidade, tão desmedida,
pois daqui em diante daremos à vida
muita corda, ao invés de cabo!

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Cuco de Parede

O tic-tac do relógio.
O tempo passa.
O meu não...
O meu para.
Para quando as notas
não tocam, se aquietam, meditam...
E saem arranhadas,
de forma sincera,
assim como o coração as expulsa.
Expulsa, repulsa,
pulsa... como...
O tic-tac do relógio.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Lenda do Céu

O cavaleiro finalmente volta a cavalgar,
e vai na esperança de alcançar as terras além-mar.
Como um pobre miserável que busca a paz interior,
o cavaleiro segue incansável pela sua sina com grande temor.

Passa deserto,
passa campina.
Passa pelo bosque coberto
por árvores ferinas.
Também passa, decerto,
pelas rochas alpinas
d' onde desce água cristalina
(abrindo o caminho que leva ao santuário,
no mar, onde a viagem se finda).

Chegando à beira-mar,
é preciso descansar.
O cavaleiro, atento, observa o céu escuro
e as estrelas dele a despencar
(despencam para o horizonte,
às terras além-mar).

Quando o sol se levanta
é sinal para partir -
de cavalo, cavalo-marinho,
para que se possa seguir.

(Chega-se ao santuário:
a morada torneada
pela delicadeza
da bela Musa.)

Enfim, o cavaleiro alcança a paz
ao encontrar nos olhos de sua amada
aquele amparo que lhe é bem familiar -
um céu escuro, mas que brilha mais que o luar.
É porque as estrelas que despencaram do céu
formaram de seus fulgores, o olhar.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Versos da Insônia

Visto meus ouvidos 
com sua voz aveludada 
para aplacar o frio, 
dar apreço ao vazio, 
reverberar a madrugada.

Língua encantada!,

Tornaste-te meu vício, 
minha reza diária, 
que levanto sempre com vontade 
de ouvir-te de novo, 
como pela primeira vez.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

- 1 -

          Sempre foi uma exímia escritora. Balbuciava as palavras e as unia como tecelã. Essa, então, era a sua arte: tecer. Perdida dentro de si ela se tecia, e a si, como adornos, a árvore, a mãe, o azul, a finura, a dissonância, os sabonetes, a cadela, a canção. Era, também, assassina. O branco do papel, de imobilidade inocente, preso ao simplismo, era vítima dessa sua vibração negra e morna. A caneta que ganhara, remetida aos anos primordiais dessa invenção de que primava, era instrumento alheio à sua vontade. (Digo, ao léu.) A ponta da caneta mais do escrevia, riscava. E com o risco, o sangue. E do sangue do papel, e da alma de escritora, as palavras iam aos poucos sobrepujando a brancura, justamente dessa arte escritora de tecer o que parece morto. É possível que tenha escrito mais páginas do que as de sua própria vida? Certamente. Sangue que sai do corpo é sempre um teco de morte, mas a sua nascente é vida. Eis, então, a sua segurança, e já não mais temia: tudo que é morto tem vida. E depois sorria com satisfação, inclinando-se para matar mais uma folha com suas palavras.

P.S.

Há textos
que não me pedem título.
E sou obediente,
não nomeio.
Se não gosto de Exatas,
eis o meu abono:
resolvi numerá-los.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

No Peito de Mariana

Dentro do peito de Mariana
o Universo tinha o tamanho do seu coração.

Nele, sonhos vagavam
em meio às estrelas em nascimento,
enquanto outras morriam por implosão.

Galáxias também surgiam
sem o seu consentimento.

Buracos negros, aos montes, engoliam
as luas, a Lua, e um astronauta em órbita.

Na Terra, cabiam todas as pessoas do mundo,
e no espaço, infinito, cabia de tudo um pouco,
mas em nenhum lugar cabia Mariana.

Com todo esse Big Bang de sentimentos
em constante sede de explosão,
ela sentiu vontade de arrancar o coração fora…

Não deu não:
seu peito de aço eram as próprias mãos de Deus,
protegendo o desequilíbrio ordenado das coisas