sábado, 21 de setembro de 2013

Buraco Negro

       Carlos se recusava a acreditar. As mudanças só são percebidas em longas passagens de tempo, quando vistas abruptamente. E Carlos havia mudado. Todos perceberam, mas ele não. Todos mentiam, isso sim. Por dentro, ele envolvia-se num enlace de esdrúxulos, e essas imagens significavam uma passível normalidade gélida. Estão mentindo, os desgraçados!, pensava ele. Dava um riso em resposta. Um riso melancólico e insano.
          No dia em que se apresentou estupefato em frente ao espelho, Carlos deu um sopapo em sua própria imagem. Nervoso, perguntou-na no que é que você está fazendo as pessoas acreditarem?... Depois sentou levando a mão ao rosto e os olhos fitos no chão, sentindo-se doído pelo tapa e pela pergunta. Os objetos dirigiam-no um estranho olhar. Também fugiam dele.
          Na semana seguinte, a mãe veio visitá-lo sustentando dentro d' alma ares de médica, como se só dela se pudesse obter cura. Ela chamou a atenção para o controle fora do lugar, o barbeador que estava cego, e também para os ovos, que foram comprados do tipo amarelo.
          Lembrou-se aí de, certa vez, ter dormido fora de casa, bêbado e absorto no veludo e na brisa da madrugada que pesavam como pluma sobre o seu corpo. Relacionava essa sensação de gozo à imagem de bolinhas plácidas sobre uma ferocidade verde. E quando criança, ao visualizar este sentir que o revirava do avesso, levando-o ao chão, sua mãe o mandava levantar logo, que parasse de besteira.
          Naquela fase da sua vida, assim? Suas mãos então penderam do corpo numa regularidade, achando beleza nisso porque confirmava seu engano: quem culpa-se mentindo, pode levantar as mãos aos céus e gritar inocente!; mas a gravidade venceu e conseguiu levar-lhe ao quarto, colocar o espelho em frente da cama, fechar a porta e as janelas e em seguida adormecer, se vendo no escuro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário